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Nunca me ensinaram, e nunca vão te ensinar...


Nestes meus 27 anos (no momento) de dedicação a Dança Clássica, resumo a vida de um bailarino, bailarina em fases, assim como a vida, existe a fase inicial de aprendizagem, a fase de vitórias, a fase de limitações e por fim a fase mais dolorosa, o momento de parar de dançar.

Começar a dançar pode até parecer difícil, mas na verdade é a fase mais "fácil" na trajetória de um bailarino. Digo isto pois, aprender os primeiros passos, buscar a melhoria contínua, superar os limites físicos para dar vida a uma nova linguagem corporal pode até parecer difícil e penoso, mas no fundo é um processo crescente de resultados e conquistas, o que acaba por dar mais animo e motivação no cotidiano de quem se apaixona por Ballet.

Chegar ao seu topo - a sua melhor performance - só depende de você e das suas fontes de conhecimento. A dificuldade desta fase está em manter-se no topo da sua melhor performance, é para poucos e infelizmente por pouco tempo.

Se eu pudesse desejar algo para mim e para todos os meus alunos e alunas, desejaria a eternidade de um corpo saudável. É natural que bailarinas e bailarinos que dedicam a vida para esta arte tenham "impostos" para pagar com o acumulo dos anos de dedicação. E com o tempo, o corpo irá pagar estes "impostos" em forma de lesões naturais pelo tempo de uso intenso. É assim com jogadores, lutadores, nadadores, ginastas, não seria diferente com bailarinos.

Existirá um momento em que todo este sonho encantado dará lugar a lesões e limitações pertinentes ao tempo de uso, seja um corpo jovem ou mais velho não importa. A conta virá! Não é profecia e nem tão pouco fatalidade, é um desgaste natural que acontece com qualquer atleta de alta performance, seja ele jogador de futebol ou bailarino.

Existem lesões pontuais na vida de um bailarino que podem e devem ser evitadas com um preparo físico adequado - falarei sobre isto em outro artigo - mas existem lesões que se dão naturalmente por tempo e intensidade de uso, normalmente para bailarinas e bailarinos que de alguma forma usam desta arte diariamente de forma intensa, como é o caso de bailarinos profissionais.

De todas as fases da trajetória de uma bailarina, nada, absolutamente nada é tão doloroso quanto saber que o momento de parar se aproxima.

A dores físicas, por maiores que possam ser, se tornam pequenas quando comparada com a dor eminente de que as luzes do seu palco irão se apagar e a cortina irá se fechar simplesmente porque o seu corpo não suporta o tamanho da sua alma dançante.

Hoje aos meus 37 quase 38 anos, com uma hernia discal, cartilagens dos joelhos desgastadas e uma recente ruptura de gastrocnêmio, sei que estou cada dia mais perto do momento em que a minha cortina se fechará. É uma dor indescritível.

Inúmeras bailarinas e bailarinos passam por este momento todos os dias e o que diferencia um dos outros é exatamente como eles lidam com isto. Mesmo sendo algo que NUNCA me ensinaram, e provavelmente para você também não, devemos tirar alguns minutos para nos espelhar em bons exemplos, afinal eu e você não seremos as primeiras e nem as ultimas bailarinas a passar por este momento.

Alguns bailarinos e bailarinas ao chegar neste momento acabam aderindo a ideia de migrar para outra modalidade de dança, outros preferem dedicar-se ao caminho acadêmico e alguns ainda preferem mudar totalmente e buscar em outras atividades a realização pessoal que o "buraco" dança deixou.

Dentre as opções, eu tenho as minhas preferidas, mas não é sobre isto que desejo falar. O que desejo é lançar luz sobre um assunto que é tão pouco falado, talvez por ser verdadeiramente um assunto assustador para quem ama a dança, tornando assim a necessidade de pensarmos nisto ainda mais importante. Por mais dolorido que possa ser.

Acredito que independente da escolha que cada um de nós fizermos ao ver a cortina se fechando, o fundamental é ter clareza de que este momento irá chegar e assim nos prepararmos para ele. Ver as luzes se apagando e a cortina fechando sem saber para onde ir depois é o que mais me assusta nesta fase, mas quando traço meus planos para este momento, consigo ver novos palcos me recebendo de braços abertos, ou melhor, de cortinas abertas. E isto me dá um pouco mais de paz de espirito para continuar até o momento de parar, não diminui a dor, mas me faz ver que esta não é a fase final, existirão outras, e tantas outras que eu desenhar, o que me faz continuar viva.

Neste momento meu palco continua acesso e as cortinas abertas, a luz já não é mais tão intensa e já vejo mãos nas cordas (em palcos em que a cortina não é automatica para fechar a cortina alguém puxa uma corda que através de um sistema de carretel faz com que as cortinas se fechem). Contudo eu sei que a fase de parar se aproxima, tenho traçado meus planos e desenhado novas fases. Mas me inspirar em bons exemplos de quem já chegou nesta fase faz toda a diferença para mim e pode ser que faça para você também. Wendy Whelan chegou e acredito que a história dela pode nos ajudar a elucidar um pouco nossos fantasmas.

Em 1984, Wendy Whelan se juntou ao New York City Ballet como aprendiz; em 1991, ela havia sido promovida a dançarina principal. Ela rapidamente se tornou uma figura venerada e amada em todo o mundo da dança. Escreveu Roslyn Sulcas, "sua musculatura vigorosa, sua clareza cinética e sua dramática intensidade sobrenatural criaram uma identidade bastante distinta e incomum". O filme "Restless Creature" dirigido por Linda Saffire e Adam Schlesingere mostra essa artista extraordinária em uma passagem da vida que todos os dançarinos devem enfrentar, o momento em que ela deve enfrentar as limitações de seu próprio corpo e se adaptar a um relacionamento diferente com a forma de arte que ela ama tão loucamente.

Restless Creature é um filme que vale a pena assistir... afinal, observar é uma ótima maneira de aprender.

Informações sobre o filme: https://www.restlesscreaturefilm.com/

Um grande bj

e se descobrir uma maneira menos dolorosa

para viver esta fase... me conte! :)

Mari

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